Quais são os sintomas fora do intestino em quem tem doença inflamatória intestinal?
Quem convive com doença de Crohn e retocolite ulcerativa pode ter sintomas decorrentes da doença na pele, olhos e articulações
Cerca de 50% dos pacientes com doença de Crohn e retocolite ulcerativa apresentam manifestações extraintestinais da doença, ou seja, complicações decorrentes da condição que se desenvolvem para além do intestino. Esse foi o tema da palestra de abertura do 6º Congresso da ALEMDII – Associação do Leste Mineiro de Portadores de Doenças Inflamatórias Intestinais, que aconteceu em 20 de novembro, em uma edição online transmitida ao vivo pelo Youtube.
O evento reúne pacientes e especialistas em torno das doenças inflamatórias intestinais (DIIs), com o objetivo de informar, conscientizar e compartilhar as últimas novidades sobre essas condições. Para abrir a edição de 2021, Julia Assis, presidente da ALEMDII, e Alessandra de Souza, integrante do comitê científico da associação, se reuniram com o Dr Rogério Saad-Hossne, coloproctologista, Professor da Faculdade de Medicina de Botucatu (UNESP) e presidente do GEDIIB para discutir sobre os sintomas fora do intestino em quem convive com as DIIs.
Dr Rogério Saad-Hossne, que também chefia o Departamento de Cirurgia e Ortopedia da FMB (UNESP), discorreu sobre as principais formas de Manifestações Extraintestinais (MEI), suas incidências e como associar o tratamento destas com o das doenças intestinais inflamatórias.
Entendendo as Manifestações Extraintestinais
Muito comuns, as manifestações que acontecem fora do intestino podem ser variáveis e múltiplas. Curiosamente, 25% desses casos ocorrem antes mesmo dos sintomas intestinais. Além disso, esses mesmos pacientes têm o risco de quase 8% maior de apresentar outra manifestação inflamatória.
É desses números que vem a importância de se compreender as DIIs de uma forma mais geral, como lembra Dr Rogério: “É importante quando pensamos no todo da doença. Ter essa correlação com outras modalidades ajuda na tomada de decisões do tratamento”.
As principais Manifestações Extraintestinais dividem-se em Reumatológicas, Dermatológicas e as Oftalmológicas, que podem correspondem a três cursos de atividade: paralelos, independentes e indefinidos. As de curso paralelo têm relação direta com a doença intestinal inflamatória, apresentam-se simultaneamente, e de forma geral são tratadas com os mesmos medicamentos; as de curso independente apresentam sintomas e tratamentos que independem das DIIs; e as de curso indefinido não apresentam uma relação determinada com as DIIs.
Outras formas menos frequentes de Manifestações Extraintestinais são a anemia, a pancreatite, a nefrolitíase, a depressão, a ansiedade, a hepatite autoimune e a CEP (Colangite Esclerosante Primária). “O que for de curso paralelo tem que tratar em relação ao intestino, e o que não for é preciso fazer uma seleção da melhor medicação para o paciente”, resume Dr Rogério.
As causas mais comuns para as manifestações são a alteração genética, o meio ambiente e a inflamação genética. Dentre os fatores de risco, destacam-se a doença de Crohn perianal, a pancolite, o tabagismo e também o maior tempo de duração da doença.
O impacto na qualidade de vida é significativo, já que as manifestações podem afetar articulações, pele, olhos e boca. Saad destaca como é importante estar atento a esses sintomas e mencioná-los ao médico, ainda mais tendo-se em conta o intervalo entre as consultas, que pode ser de até 6 meses. “Essas articulações em relação a essas manifestações são importantes, e nós médicos temos que ter isso sempre em mente”.
“É importante conhecer essas manifestações” reforça Julia “eu mesma tive várias e não conhecia, e acabava não contando para o médico”.
As manifestações reumatológicas podem atingir a coluna e as articulações
As Manifestações Reumatológicas são as mais frequentes nos portadores de doença intestinal Inflamatória, principalmente aqueles diagnosticados com Retocolite Ulcerativa, englobando 40% das mulheres e 20% dos homens. O tabagismo e a apendicectomia são fatores agravantes, e tais manifestações apresentam-se em forma de espondiloartrites, que englobam inflamações que atingem tanto a coluna do paciente, por exemplo a espondilite, como também as articulações periféricas, como a artrite.
A Espondiloartropatia Periférica (EP) se subdivide em dois tipos. O tipo 1, chamado de Pauciarticular, se manifesta nas grandes articulações e é de Curso Paralelo, ou seja, sua ocorrência corresponde às atividades da DII. Ela afeta menos de cinco articulações, e geralmente surge de forma aguda, podendo durar até 10 semanas.
Já o tipo 2, a Poliarticular, caracteriza-se por ser simétrica: atinge pequenas e grandes articulações, mais de cinco, e é persistente, podendo durar meses e até anos. Além disso, é a forma mais progressiva das duas, principalmente por ser de curso independente, apresentando manifestações que não correspondem necessariamente às atividades da DII. Muitas vezes, são necessárias medicações diferentes para tratar separadamente cada uma delas. “Nesse caso, a tomada de decisão conjunta em relação a melhores medicações tem que ser baseada nessa relação”, ressalta Saad.
É aí que entra o papel multidisciplinar do reumatologista, que precisa cogitar desde o primeiro momento a possibilidade do paciente com Espondilite desenvolver uma manifestação intestinal. Para tanto, Saad apresenta as 6 principais sinais que esses profissionais devem se atentar durante a consulta:
1 – Lombalgia inflamatória que se manifesta durante a noite;
2 – Dor nos glúteos (sacroileite);
3 – Artrite que não está respondendo aos medicamentos;
4 – Lembrar que nem toda dor é de doença inflamatória intestinal;
5- O controle da doença inflamatória intestinal não representa necessariamente o controle das Manifestações ExtraIntestinais;
6 – O reumatologista é o profissional que faz diagnóstico precoce das lesões articulares.
Manifestações Dermatológicas
As Manifestações Dermatológicas apresentam-se de forma externa e, como geralmente são bem visíveis, seu diagnóstico costuma ser mais fácil e imediato. Entre os principais tipos, encontram-se o eritema nodoso, o pioderma gangrenoso, as úlceras aftóides e a síndrome de Sweet.
O eritema nodoso é a manifestação mais comum deste tipo e está mais presente nas mulheres. Estima-se que 15% de portadores de doença de Crohn a desenvolvem, contra 10% dos portadores de Retocolite Ulcerativa. Seus sintomas são nódulos subcutâneos levantados e sensíveis, com marcas roxas ou vermelhidão. Vale ressaltar que tais lesões são comumente associadas com a atividade da DII no paciente, portanto o tratamento é dirigido diretamente à doença subjacente. Quando as inflamações no intestino são controladas, consequentemente o eritema nodoso tende a ser resolvido.
O pioderma gangrenoso é menos comum, atingindo de 0,5% a 2% dos pacientes de DII. É uma lesão mais profunda, com pápulas pustulosas que geram a necrose da derme e leva a ulcerações profundas. As lesões são comumente originadas de um trauma local, geralmente na região dos tornozelos. Mesmo que possa apresentar um curso independente da DII, seu tratamento exige um manejo de ambos. Saad ainda lembra que esse tipo, ainda que seja menos recorrente, tem uma evolução mais grave e, por isso, merece mais atenção e tratamento mais intensivo.
Já as úlceras aftóides, que aparecem em 4% a 20% dos pacientes de DII, consistem em lesões orais representadas por úlceras redondas pouco profundas que aparecem no céu da boca. São de curso paralelo, portanto sua incidência corresponde simultaneamente à atividade da DII no paciente.
Manifestações Oftalmológicas
Dentre as manifestações oftalmológicas, destacam-se a Episclerite, a Esclerite e a Uveíte, sendo esta última a mais recorrente entre as três. Os sintomas incluem dor ocular, sensibilidade à palpação, visão borrada, fotofobia e até déficit visual. O tratamento para o caso da Episclerite ocorre com compressas térmicas aliadas aos mesmos medicamentos da DII, enquanto que, para a Esclerite e a Uveíte, que podem levar a complicações mais graves, usa-se corticóide e até tratamento imunossupressor.
A importância do Tratamento Multidisciplinar
A presença de Manifestações Extraintestinais no paciente indica maior morbidade para a doença inflamatória intestinal e, por isso, exige envolvimento precoce de uma equipe multidisciplinar no tratamento. É preciso alertar os pacientes sobre as MEIs, pois o tratamento da DII desempenha um papel fundamental no manejo de tais incidências. “Quanto mais cedo se faz o diagnóstico, mais cedo se tem o controle”, lembra Dr Rogério.
O médico ainda ressalta que embora o objetivo de todo tratamento seja a remissão, ela não significa a retirada da medicação. Por outro lado, é possível repensar a dosagem e o intervalo de uso, sempre, é claro, com o aval dos profissionais envolvidos.
Felizmente, com todas as possibilidades oferecidas pela telemedicina hoje, esse acompanhamento multidisciplinar tornou-se muito mais prático, conforme aponta Dr Rogério. “Hoje, tirar uma foto no Whatsapp e mandar para o colega é muito rápido. Não é preciso estar in loco (presencialmente), mas é importante que o seu médico mantenha esse contato com o seu reumatologista”.
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