7º Congresso ALEMDII, PANEL 1 – CONHECER: Patogênese de Doenças Inflamatórias Intestinais: o que são e como acontecem? Dra Raquel Franco Leal
Saiba o que são, seus aspectos, fatores e mais sobre as doenças de Crohn e retocolite ulcerativa
Buscando melhorar o entendimento de pacientes, médicos e interessados nas doenças inflamatórias intestinais (DII), o painel CONHECER, da 7ª edição do congresso da ALEMDII, apresentado em LIVE no Youtube no dia 04/10 (segunda-feira), trata da patogênese da DII.
Para falar sobre o assunto, a convidada Dra. Raquel Franco Leal, médica coloproctologista e coordenadora do laboratório de Investigação em Doenças Inflamatórias Intestinais (LabDII) da Unicamp, explica como a enfermidade age no corpo humano. Abaixo, entenda melhor sobre os temas.
O que são as DIIs?
Antes de tudo, é preciso lembrar que as doenças inflamatórias intestinais são doenças crônicas. Dessa forma, não têm cura, porém, são controláveis. Dentre as DIIs, as principais enfermidades são a doença de Crohn e a retocolite ulcerativa. Ambas inflamam o intestino.
“A diferença é que a doença de Crohn pode acometer desde a boca até o ânus, enquanto a retocolite ulcerativa atinge, principalmente, o colo e o reto, ou seja, a parte mais final do intestino. Outra característica de Crohn é que as úlceras que aparecem, como aftas na mucosa intestinal, na parte interna do intestino, são mais profundas do que as que acontecem na retocolite”, explica a médica coloproctologista Raquel Franco Leal.
Leal pontua que as doenças são imunomediadas, ou seja, enfermidades nas quais acontecem alterações do sistema imune. Entretanto, nenhum anticorpo que se direciona contra uma estrutura do próprio organismo foi identificado, como acontece nas doenças autoimunes. Dessa forma, as duas DIIs ainda não podem ser classificadas de tal maneira.
A forma de manifestação das doenças nos indivíduos pode ser diferente, com sintomas mais graves ou mais leves. Essa questão, sobre o porquê alguns pacientes desenvolvem um tipo de manifestação e outros outro tipo, no entanto, ainda não foi desvendada pelos cientistas, mas as DIIs podem apresentar manifestações clínicas como:
- Acometimento do intestino delgado, cólon, reto e/ou perianal;
- Cursar com manifestações extra intestinais, como dor articular, lesões na pele e nos olhos.
Fatores das doenças de Crohn e retocolite ulcerativa
Leal divide os fatores que colaboram no diagnóstico em três pilares: genético, fatores ambientais e sistema imune. Entenda mais sobre eles.
Sistema imune
Há uma grande proliferação de células imunes nas doenças inflamatórias intestinais. A barreira epitelial intestinal faz interface entre as camadas internas do intestino e o lúmen intestinal, que é a luz do intestino, onde ficam as fezes e o conteúdo fecal. Assim, a especialista conta que, nas DIIs, acontece uma quebra dessa barreira, não somente na sua estrutura física, mas também nas moléculas que compõe essa barreira.
“Significa que acontecem alterações de certas moléculas e composição de muco também. Por exemplo, temos antibióticos naturais produzido por essas células intestinais chamado de defensinas. Sabemos que a doença de Crohn tem alteração na formação dessas moléculas. Quando acontece a quebra dessa barreira epitelial, esses antígenos dos microrganismos presentes nas fezes ou no conteúdo do intestino fino entram mais facilmente na parte da lâmina própria (camada de tecido que reveste as cavidades dos sistemas digestivo, respiratório e urinário), ativando essas células imunes”, ressalta.
Assim, a proliferação e expansão das células de defesa do organismo, importantes no indivíduo saudável, ocorre de maneira desordenada e frequente nos pacientes com DIIs, liberando citocinas pró-inflamatórias, causando ainda mais inflamação.
Genética
Esse pilar apresenta mais de 250 genes associados à ocorrência de doenças inflamatórias intestinais, sendo a maioria deles à doença de Crohn e menor parte a retocolite ulcerativa. O código genético funciona da seguinte forma: fica dentro do núcleo da célula e manda um código que faz com que o organismo produza as proteínas necessárias para o funcionamento do organismo, e nas DIIs vários genes relacionados à:
- Barreira epitelial da mucosa intestinal;
- Resposta imune;
- Eliminação bacteriana;
- Mecanismos de autofagia celular, estão associados a ocorrência das DIIs.
“A autofagia celular é um mecanismo bastante primário das células, que é responsável pela limpeza de detritos dentro dessas células. Assim, proteínas mal formadas poderiam gerar inflamação. Se na doença inflamatória intestinal nós temos genes associados a essa função e estão alterados, pode ser que esse seja um mecanismo também de perpetuação do processo inflamatório”, afirma Leal.
Todos os genes relacionados a essas vias importantes do organismo, se bem balanceadas, o indivíduo está em equilíbrio, em homeostase. Mas se ocorre algum desequilíbrio acontece o surgimento da doença inflamatória intestinal.
Fatores ambientais (epigenéticos)
Os fatores ambientais interferem no passo dos genes. No entanto, a mudança não acontece do dia para a noite, mas é adquirida ao longo do tempo, a partir do nascimento do indivíduo.
Nesse sentido, a microbiota (conjunto de bactérias no intestino) é um dos fatores externos que pode estar colaborando para o aparecimento das DIIs. Além disso, a disbiose (alteração das populações de bactérias) também ajudam na formação das DIIs. Entretanto, como os fatores externos acontecem desde o primeiro momento de vida, não há como saber se o fenômeno é primário ou secundário, ou seja, a causa ou consequência da inflamação.
Além disso, outros fatores estudados como possíveis causas ou protetores das DIIs são:
- Dieta;
- Estresse;
- Lactância materna;
- Neuroimunomodulação;
- Poluição;
- Produtos químicos;
- Tabagismo;
- Uso de antibióticos.
Um estudo feito pela especialista em conjunto com mais profissionais em camundongos foi descoberto que é preciso de dois fatores no mínimo, para que ocorra a DII no modelo animal. Ou seja, um fator genético junto com um fator ambiental ou vários fatores epigenéticos. A pesquisa foi confirmada após testes em amostras humanas de pacientes com bolsite, inflamação no paciente com retocolite ulcerativa que já foi operado.
Por fim, ainda não há como prevenir as doenças inflamatórias intestinais, mas algumas hipóteses de possíveis diminuições das DIIs que ainda devem ser comprovadas pela ciência são, por exemplo, praticar hábitos de vida saudáveis, estimular a lactância materna, dieta não industrializada, evitar contato com produtos químicos, evitar tabagismo e também o uso de antibióticos em certas fases de desenvolvimento do indivíduo.